Hanseníase: saiba como se prevenir e tratar
O Brasil ocupa uma posição incômoda quando o assunto é a hanseníase. Segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), o país registrou 26 mil novos casos da doença em 2016, perdendo apenas para a Índia (127.326 casos). São 13% de todos os registros no mundo e 90% das três Américas. Um total de 12 casos para cada 100 mil habitantes, muito acima dos níveis recomendados pela OMS.
Mas se a doença, conhecida antigamente por lepra, está quase extinta no mundo, qual o motivo dela ainda ser considerada um problema de saúde pública por aqui? No estudo “Avaliação dos serviços de saúde em relação ao diagnóstico precoce da hanseníase”, realizado na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, foi apontada a dificuldade para iniciar e dar continuidade ao tratamento. O diagnóstico é feito, em média, cerca de um ano e meio a dois após o aparecimento dos sintomas, o que já é tempo suficiente para que a doença afete outros órgãos além da pele.
A principal razão para isso é o desconhecimento da população sobre a doença. Por isso, em 25 de janeiro é celebrado o Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase, uma data para mostrar que é muito simples prevenir, diagnosticar e tratar a doença. O tratamento, que pode se estender por até um ano, é feito apenas com antibióticos e elimina a doença de forma definitiva.
Apesar disso, por muitos séculos, as vítimas de hanseníase foram excluídas do convívio em sociedade para não contaminar outras pessoas. Obras de ficção, como o clássico Ben-Hur, retratam comunidades inteiras formadas apenas por leprosos, que não poderiam ter contato com ninguém. Na Bíblia também há uma passagem, no Evangelho de Mateus, que retrata um doente sendo curado por Jesus. Imagens de antigos leprosários, para onde pessoas contaminadas eram enviadas, contribuem para aumentar o estigma em torno da doença, que precisa ser combatido.
Hanseníase na história
Não há consenso entre os especialistas sobre onde surgiu a hanseníase. Foram encontrados documentos com quatro mil anos de idade que descrevem em detalhes os sintomas, tanto em países da Ásia – Índia, China e Japão – quanto no Egito. Neste último, inclusive, foram encontrados esqueletos datados do segundo século antes de Cristo que continham provas objetivas da doença.
Na Europa, acredita-se que a chegada se deu nos anos 300 a.C., após as expedições de Alexandre, o Grande, rumo ao oriente. Durante o século XIII, estimam-se 20 mil doentes na região. Nos séculos seguintes houve uma diminuição gradual da endemia, principalmente pelo fim dos asilos para internação e melhoria das condições socioeconômicas da população.
Mas enquanto as taxas europeias caíam, as americanas começavam a crescer. A hipótese mais provável para a chegada da doença às Américas relaciona o fato à colonização europeia, pois não há registro de hanseníase entre os povos indígenas. No Brasil, os primeiros casos foram diagnosticados nos anos de 1600, no Rio de Janeiro. Além disso, uma carta datada de 1765 detalha a chegada de enfermos em São Paulo. De lá, a doença se espalhou para o interior do país, principalmente por meio dos bandeirantes. Hoje, as principais regiões afetadas são o Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Principais sintomas
Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a hanseníase se divide entre dois grandes grupos: paucibacilar e multibacilar.
No primeiro caso, a doença ainda se encontra no estágio inicial, com poucos bacilos detectados nos exames e até cinco manchas pelo corpo – com ou sem comprometimento dos nervos. Já na fase multibacilar há um número maior de bacilos, surgem diversas lesões na pele e a doença pode comprometer outras áreas do corpo, como nariz, rins e órgãos reprodutivos masculinos. É nessa etapa que, caso não tratada, a hanseníase pode ser transmitida a outras pessoas.
Segundo o Ministério da Saúde, os seguintes sintomas são comuns nos dois casos:
– Formigamento, fisgadas ou dormência nas extremidades do corpo;
– Manchas brancas ou avermelhadas, geralmente com perda da sensibilidade ao calor, frio, dor e tato;
– Áreas da pele aparentemente normais em que são identificadas alterações da sensibilidade e da secreção de suor;
– Caroços e placas em qualquer local do corpo;
– Diminuição da força muscular (dificuldade para segurar objetos).
Transmissão
Não é por acaso que, antes de surgirem os tratamentos, os pacientes com hanseníase eram isolados do convívio com pessoas saudáveis. A transmissão do Mycobacterium leprae se dá pela proximidade com os portadores da doença, no contato com secreções como gotículas de saliva e líquidos nasais. É importante lembrar que o simples toque na pele não transmite a hanseníase, como muitos ainda acreditam.
O período de incubação (que vai desde a aquisição do bacilo até a manifestação dos sintomas) é longo, podendo chegar a cinco anos. Pacientes em tratamento regular não transmitem a hanseníase e, por isso, o diagnóstico precoce se torna tão importante. Além disso, 90% da população possui resistência natural contra o agente causador da doença.
Tratamento
Apesar do tabu, hoje a hanseníase é uma doença curável e, quanto mais cedo o diagnóstico for feito, melhor. Normalmente, a doença é detectada de forma clínica, mas sua descoberta pode ser complementada pela pesquisa em laboratório do bacilo na pele. O tratamento é gratuito e oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), variando de seis meses (paubacilar) a, no mínimo, um ano (multibaciliar). Para isso, é utilizada a poliquimioterapia (PQT), uma associação dos antibióticos Rifampicina, Dapsona e Clofazimina. O método é tão eficaz que logo no início do tratamento o bacilo já é morto, rompendo assim o ciclo de transmissão.