Afastamentos por transtornos mentais preocupa empresas
Os anos 2010 foram marcados pela ascensão das doenças mentais como uma das principais causas de afastamento dos trabalhadores brasileiros. O Ministério da Saúde, no estudo Adoecimento mental e trabalho: a concessão de benefícios por incapacidade relacionados a transtornos mentais entre 2012 e 2016, aponta essas enfermidades como o terceiro maior motivo para licenças, atrás apenas de lesões/envenenamentos e doenças do sistema osteomuscular. Ao analisar os pagamentos de auxílio-doença não ligado a acidentes, a depressão foi classificada como o principal motivo, com 31% dos casos, seguido pelos transtornos de ansiedade, com 18%.
“Dentre as causas atribuídas aos ambientes de trabalhos ressaltamos aqueles executados em ritmos e com demandas acima da capacidade de execução por parte do trabalhador”, explica o médico especialista em Medicina do Trabalho e em Psiquiatria, Arthur Motta Lima Neto, em entrevista para a revista Proteção. Isso também vale para trabalhos monótonos e para os que apresentam riscos, como é o caso dos que envolvem altura ou confinamento.
O pesquisador explica que os riscos de desenvolver Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho (TMRT) variam de acordo com a atividade realizada. Na indústria, eles podem surgir com a atuação constante em situação de risco. Em plataformas de extração de petróleo, as maiores ameaças são o tempo de isolamento e os riscos dos turnos de revezamento. Já na área de serviços, costumam ser mais comuns entre profissionais de transporte e saúde.
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Apesar de estar sendo discutido pelas equipes de SST, o estabelecimento do nexo causal entre as doenças mentais e as atividades ocupacionais ainda é um assunto complexo. Como os sinais são subjetivos, é muito difícil – e, às vezes, impossível – caracterizar os sintomas como decorrentes exclusivamente do trabalho.
O estudo Transtornos mentais e trabalho: o problema do nexo causal, produzido pela professora de Psicologia da UFMG e doutora em Psicossociologia do Trabalho, Maria Elizabeth Antunes Lima, aponta que há linhas distintas de estudos na área da Saúde Mental no Trabalho. Enquanto uma defende que os transtornos mentais são originários de fatores orgânicos, outra acredita que a origem é apenas psíquica e uma terceira concebe que eles são fruto de um conjunto de fatores biopsicossociais.
Essa é uma discussão muito importante, porque afeta diretamente quem sofre dos transtornos mentais, que não tem a quem recorrer e como fazer valer seus direitos na Justiça do Trabalho. “Enquanto não avançarmos na solução desse dilema, estaremos também retardando a adoção de medidas preventivas nos ambientes de trabalho e deixando de cumprir o papel primordial dos profissionais de saúde, que é o de evitar a doença”, afirma a pesquisadora.
Por isso, ela defende que é preciso seguir algumas etapas para que o nexo possa ser estabelecido. Não é um processo simples, mas ajuda a respaldar a prática de quem lida com a saúde ocupacional:
- Buscar evidências epidemiológicas em certas categorias profissionais ou grupos específicos de trabalhadores;
- Resgatar a história de vida do trabalhador de forma detalhada, inclusive verificando as percepções dele sobre as causas do adoecimento;
- Realizar estudos ergonômicos e avaliar as atividades reais para compreender como o trabalhador se organiza para dar conta de suas responsabilidades;
- Tentar identificar os mediadores para entender como se deu a passagem entre a experiência vivida e o adoecimento;
- Completar essas informações com os exames médicos e psicológicos necessários.
Todos esses cuidados ajudam a quem está sofrendo em razão de um transtorno mental, uma vez que, assim, é possível reconhecer o problema e buscar soluções para o problema. “Temos verificado que, na maioria dos casos, eles [os trabalhadores] não têm sido sequer acolhidos e respeitados nas suas queixas, sendo, muitas vezes, acusados de simuladores, farsantes”, conclui.
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Cuidados com a saúde mental
Por tudo o que foi apresentado, fica claro que as empresas precisam assumir seu papel na prevenção de transtornos mentais que afetam seus funcionários. Em entrevista para o antigo site do Ministério do Trabalho, o auditor-fiscal Jeferson Seidler comenta que o empregador deve se envolver de forma efetiva para evitar que o ambiente de trabalho seja um risco para os profissionais. “Depende do empregador fazer uma análise completa e minuciosa e adotar medidas de controle, em especial aquelas pertinentes ao ritmo de trabalho e às metas adequadas, ou seja, alcançáveis”, diz.
Isso envolve algumas ações, que devem ser promovidas pela empresa e pelos próprios funcionários para evitar possíveis complicações derivadas dos transtornos:
- Investir em treinamentos, tanto para a liderança quanto para os trabalhadores, que abordem a sobre saúde mental e os capacitem a lidar com casos práticos;
- Realizar ações para melhorar as relações interpessoais e a comunicação entre os mais diversos setores da empresa;
- Promover iniciativas para reduzir o estresse, como ginásticas laborais, pausas na rotina e atividades de relaxamento;
- Incentivar uma alimentação saudável e a realização de atividades de lazer nos períodos de folga;
- Oferecer apoio e orientação psicológica para os funcionários.
“O adoecimento mental é menos frequente quando o trabalhador se sente respeitado como ser humano, quando percebe que o trabalho é bem organizado, as metas são justas e os relacionamentos, respeitosos”, explica o auditor-fiscal. Isso significa que, quando o trabalhador sente que os esforços para melhora do ambiente do trabalho são sinceros e efetivos, há uma considerável melhora no clima organizacional e na saúde mental.
Complicações pela Covid-19
Se a saúde mental dos trabalhadores já exigia muita atenção, a chegada da pandemia de Covid-19 só piorou a situação. A incerteza sobre o dia seguinte – tanto do ponto de vista de saúde quanto de garantias do emprego – tem tirado noites de sono de empregadores e empregados. Crises de ansiedade, ataques de pânico, síndrome de Burnout e depressão estão se tornando cada vez mais comuns graças ao isolamento forçado e à preocupação constante com o futuro.
Em um artigo publicado no Huffington Post, o psiquiatra Alexandre Loch, coordenador de pesquisas no Hospital das Clínicas de São Paulo, alerta para os efeitos de desastres de grandes proporções no funcionamento de uma sociedade. Estudos em locais que enfrentaram surtos de doenças, terremotos, maremotos e grandes incêndios apontam que a prevalência de doenças mentais aumenta em até 40% quando essas situações ocorrem. E o pesquisador faz um cálculo: “para 630 mil casos de Covid-19 no Brasil, teríamos 25 milhões de pessoas com transtornos mentais gerados por conta dessa catástrofe. Uma proporção de 1/40”, afirma.
O impacto disso já começa a ser sentido na percepção da população sobre o cenário atual. Uma pesquisa realizada pela Área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril, em parceria com a MindMiners, apontou que 54% das pessoas estão extremamente preocupadas com a situação atual. Além disso, 70% temem o desemprego e a segurança de amigos/familiares e 76% preocupam-se com a superlotação dos hospitais. E até mesmo relaxar está mais difícil – 47% dos entrevistados sentem dificuldade para descansar e 23% não estão mais conseguindo dormir bem.
Esse ponto também é destacado na entrevista concedida por Arthur à revista Proteção. O médico explica que permanecer em casa 100% do tempo e interagir apenas com as pessoas que moram conosco é uma experiência jamais imaginada. É impossível terceirizar algumas tarefas – como faxinas e aulas dos filhos – e não há perspectiva de melhora no cenário. “Não devemos esquecer que todas as restrições que vivemos não ocorreram por escolha, mas sim por imposição. Todos nós reagimos frente à pandemia de maneiras diferentes, dependendo da intensidade do dano, desconforto ou perda recebida.”
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Arthur defende que esse é um processo semelhante ao luto, que inclui os cinco estágios verificados quando há uma perda significativa: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. E ele não está sozinho nessa opinião. Em entrevista para o Diário da Manhã, Felipe Badotti, diretor do Memorial Vera Cruz, traçou um paralelo entre a situação atual e a sensação experimentada quando alguém recebe o diagnóstico de uma doença grave ou se lembra de que, algum dia, vai perder um ente querido algum dia. Trata-se, segundo ele, de um rompimento da sensação de segurança, semelhante ao vivido atualmente. “Perder o contato físico com as pessoas, não poder sair de casa e estar impossibilitado de fazer coisas das quais gosta, também provocam luto. Afinal de contas, você está perdendo coisas significativas.”
A única certeza entre os especialistas é que será impossível voltar a ser como éramos. As relações de trabalho serão diferentes, assim como devem ser as preocupações com a saúde mental dos empregados. A área de Segurança e Saúde do Trabalho também precisará aprender com tudo o que ocorreu durante o período de isolamento e identificar modelos alternativos de saúde ocupacional e mental.
Apoio psicológico
A Sercon entende o quão difícil é enfrentar um momento crítico como o que estamos vivendo, em que o estado de ansiedade é generalizado. E falar sobre o assunto é importante. Por isso, estamos disponibilizando atendimento psicológico online para clientes, colaboradores e demais interessados. É uma forma de contribuirmos com a saúde mental dos trabalhadores nesse momento de imensa incerteza e garantir que todos possam estar bem quando tudo isso passar.